terça-feira, 31 de agosto de 2010


Quando setembro vier,
De tão azul, o céu parecerá pintado. E nós embarcaremos logo rumo à ilhas Cíclades.
Houvesse cortinas no quarto, elas tremulariam com a brisa entrando pelas janelas abertas, de manhã bem cedo. Acordei sem a menor dificuldade, espiei a rua em silêncio, muito limpa, as azaléias vermelhas e brancas todas floridas. Parecia que alguém tinha recém pintado o céu, de tão azul. Respirei fundo. O ar puro da cidade lavava meus pulmões por dentro. Setembro estava chegando enfim. Na sala, encontrei a mesa posta para o café — leite e pão frescos, mamão, suco de laranja, o jornal ao lado. Comi bem devagarinho, lendo as notícias do dia. Tudo estava em paz, no Nordeste, no Oriente Médio, nas Américas Central, do Norte e do Sul. Na página policial, um debate sobre a espantosa diminuição da criminalidade. Comi, li, fumei tão devagarinho que mal percebi que estava atrasado para o trabalho. Achei prudente ligar, avisando que iria demorar um pouco.
A linha não estava ocupada. Quando o chefe atendeu, comecei a contar uma história meio longa demais, confusa demais. Só quando ele repetiu calma, calma, pela terceira vez, foi que parei de falar. Então ele disse que tinha acabado de sair de uma reunião com os patrões: tinham decidido que meu trabalho era tão bom, mas tão bom que, a partir daquele dia, eu nem precisava mais ir lá. Bastava passar todo fim de mês, para receber o salário que havia sido triplicado. Desliguei um pouco tonto. Então, podia voltar a meu livro? Discreta e silenciosa como sempre, a empregada tinha tirado a mesa. No centro dela, agora, sobre uma toalha de renda branca, havia rosas cor de chá, aquelas que Oxum mais gosta. No escritório, abri as gavetas e apanhei a pilha de originais de três anos, manchados de café, de vinho, de tinta e umas gotas escuras que pareciam sangue. Reli rapidamente. E a chave que faltava, há tanto tempo, finalmente pintou. Coloquei papel na máquina, comecei a escrever iluminado, possuído a um só tempo por Kafka, Fitzgerald, Clarice e Fante. Não, Pedro não tinha ido embora, nem Dulce partido, nem Eliana enlouquecido. As terras de Calmaritá realmente existiam: para chegar lá, bastava tomar a estrada e seguir em frente. Escrevi horas. Sem sentir, cheio de prazer. Quando pensava em parar, o telefone tocou. Então uma voz que eu não ouvia há muito tempo, tanto tempo que quase não a reconheci (mas como poderia esquecê-la?), uma voz amorosa falou meu nome, uma voz quente repetiu que sentia uma saudade enorme, uma falta insuportável, e que queria voltar, pediu, para irmos às ilhas gregas como tínhamos combinado naquela noite. Se podia voltar, insistiu, para sermos felizes juntos. Eu disse que sim, claro que sim, muitas vezes que sim, e aquela voz repetiu e repetia que me queria desta vez ainda mais, de um jeito melhor e para sempre agora. Os passaportes estavam prontos, nos encontraríamos no aeroporto: São Paulo/Roma/Atenas, depois Poros, Tinos, Delos, Patmos, Cíclades. Leve seu livro, disse. Não esqueça suas partituras, falei. Olhei em volta, a empregada tinha colocado para tocar A sagração da primavera, minha mala estava feita. Peguei os originais, a gabardine, o chapéu e a mala. Então desci para a limusine que me esperava e embarquei rumo a.
PS — Andaram falando que minhas crônicas estavam tristes demais. Aí escrevi esta, pra variar um pouco. Pois como já dizia Cecília/Mia Farrow em A cor púrpura do Cairo: “Encontrei o amor. Ele não é real, mas que se há de fazer? Agente não pode ter tudo na vida...” Fred e Ginger dançam vertiginosamente. Começo a sorrir, quase imperceptível. Axé. E The End.

O Estado de S. Paulo, 27/8/1986 - In Pequenas Epifanias

(Caio F.)

segunda-feira, 30 de agosto de 2010


Minha lâmpada de cabeceira está estragada. Não sei o que é, não entendo dessas coisas. Ela acende e, sem a gente esperar, apaga. Depois acende de novo, para em seguida tornar a apagar. Me sinto igual a ela: também só acendo de vez em quando, sem ninguém esperar, sem motivo aparente. Para a lâmpada pode-se chamar um eletricista. Ele dará um jeito, mexerá nos fios e em breve ela voltará a ser normal, previsível.
Mas e eu?
Quem desvendará meu interior para consertar meus defeitos?

(Caio F.)

Como um bebê ou um cristal: tome-o nas mãos com muito cuidado. Ele pode quebrar, o momento presente. Escolha um fundo musical adequado - quem sabe, Mozart, se quiser uma ilusão de dignidade. Melhor evitar o rock, o samba-enredo, a rumba ou qualquer outro ritmo agitado: ele pode quebrar, o momento presente. Como um bebê, então, a quem se troca fraldas, depois de tomá-lo nas mãos, desembrulhe-o com muito, com muito cuidado também. Olhe devagar para ele, parado no canto do quarto ou esquecido sobre a mesa, entre legumes, ou misturado às folhas abertas de algum jornal. Contemple o momento presente como um parente, um amigo antigo, tão familiar que não há risco algum nessa presença quieta, ali no canto do quarto. Como uma laranja, redonda, dourada - mas sem fome, contemple o momento presente. Como a cinza de um cigarro que o gesto demorou demais, caída entre as folhas de um jornal aberto em qualquer página, contemple o momento presente. E deixe o vento soprar sobre ele.

(Caio F.)

quinta-feira, 26 de agosto de 2010


- Quando a noite chegar cedo e a neve cobrir as ruas, ficarei o dia inteiro na cama pensando em dormir com você.
- Quando estiver muito quente, me dará uma moleza de balançar devagarinho na rede pensando em dormir com você.
- Vou te escrever carta e não te mandar.
- Vou tentar recompor teu rosto sem conseguir.
- Vou ver Júpiter e me lembrar de você.
- Vou ver Saturno e me lembrar de você.
- Daqui a vinte anos voltarão a se encontrar.
- O tempo não existe.
- O tempo existe, sim, e devora.
- Vou procurar teu cheiro no corpo de outra mulher. Sem encontrar, porque terei esquecido. Alfazema?
- Alecrim. Quando eu olhar a noite enorme do Equador, pensarei se tudo isso foi um encontro ou uma despedida.
- E que uma palavra ou um gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros.

(Caio F.)

quarta-feira, 25 de agosto de 2010


Às vezes penso que tornam de propósito as coisas mais duras do que realmente são, só pra ver se eu reajo, se eu enfrento.

(Caio F.)

terça-feira, 24 de agosto de 2010


{...} Eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende? {...}Se eu não te disser agora talvez não diga nunca mais, porque tanto eu como você sentiremos uma falta enorme de todas essas coisas, e se elas não chegarem á ser ditas nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos com tudo que existimos, por que elas não foram existidas completamente, entende, porque as vivemos apenas naquela dimensão em que é permitido viver, não, não é isso que eu quero dizer, não existe uma dimensão permitida e uma outra proibida, indevassável, não me entenda mal, mas é que a gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver, no mais fundo, eu quero dizer, é isso mesmo, você está acompanhando o meu raciocínio?
Existe coisas que a gente ainda não pensou, que a gente talvez nunca pense, eu, por exemplo, nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer além de tudo o que já foi dito, ou melhor, pensei sim, não, pensar propriamente não, mas eu sabia, que havia uma outra coisa atrás e além de nossas mãos dadas{...}
A nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, de não sentir medo desse mais fundo{...}
Eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e, se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas {...}
Eu preciso de muito silêncio e concentração para dizer todas as coisas que eu tinha pra te dizer, olha, antes de você ir embora eu quero te dizer que.

(Caio F.)

O cheiro do teu corpo persiste no meu durante dias. Não tomo banho. Guardo, preservo, cheiro o cheiro do teu cheiro grudado no meu. E basta fechar os olhos para naufragar outra vez e cada vez mais fundo na tua boca. Abismos marinhos, sargaços. Minhas mãos escorrem pelo teu peito. Gramados batidos de sol, poços claros. Alguma coisa então pára, todas as coisas param. Os automóveis nas ruas, os relógios nas paredes, as pessoas nas casas, as estrelas que não conseguimos ver aqui do fundo da cidade escura. Olho no poço do teu olho escuro, meia-noite em ponto. Quero fazer um feitiço para que nada mais volte a andar. Quero ficar assim, no parado. Sei com medo que o que trouxe você aqui foi esse meu jeito de ir vivendo como quem pula poças de lama, sem cair nelas, mas sei que agora esse jeito se despedaça. Torre fulminante, o inabalável vacila quando começa a brotar de mim isso que não esta completo sem o outro. Você assopra na minha testa. Sou só poeira, me espalho em grãos invisíveis pelos quatro cantos do quarto. Fico noite, fico dia. Fico farpa, sede, garra, prego. Fico tosco e você se assusta com a minha boca faminta voraz desdentada de moleque mendigo pedindo esmola neste cruzamento onde viemos dar.

(Caio F.)

segunda-feira, 23 de agosto de 2010


Meditarias: as pessoas falam coisas, e por trás do que falam há o que sentem, e por trás do que sentem há o que são e nem sempre se mostra. Há os níveis não formulados, camadas imperceptíveis, fantasias que nem sempre controlamos, expectativas que quase nunca se cumprem e sobretudo, como dizias, emoções. Que nem se mostram.

(Caio F.)

Ele me desperta sentimentos i-na-cre-di-ta-vel-men-te ternos.

(Caio F.)

domingo, 22 de agosto de 2010




Ela não suportou olhar tanto tempo. Virou de costas, debruçou-se na janela, feito filme: Doris Day, casta porém ousada. Então ele veio por trás: Cary Grant, grandalhão porém mansinho. Tocou-a devagar no ombro nu moreno dourado sob o vestido decotado, e disse:

- Sabe, eu pensei tanto. Eu acho que.
Ela se voltou de repente. E disse:
- Eu também. Eu acho que.

Ficaram se olhando. Completamente dourados, olhos úmidos. Seria a brisa? Verão pleno solto lá fora.

Bem perto dela, ele perguntou:
- O quê?
Ela disse:
- Sim.
Puxou-o pela cintura, ainda mais perto.
Ele disse:
- Você parece mel.
Ela disse:
- E você, um girassol.

Estenderam as mãos um para o outro. No gesto exato de quem vai colher um fruto completamente maduro.

(Caio F.)

Daí, penso também outra coisa de gente grande: não adianta muito você se
enfeitar todo pra uma pessoa gostar mais de você. Porque, se ela
gostar, vai gostar de qualquer jeito, do jeito que você é mesmo, sem
brilhos falsos.

(Caio F.)

(...) Pego o metrô, vou conferir. Continua lá, a placa na fachada da casa número 1 do Quai de Bourbon, no mesmo lugar. Quando um dia você vier a Paris, procure. E se não vier, para seu próprio bem guarde este recado: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo.

(Caio F.)

sábado, 21 de agosto de 2010


Eu não procurei, não insisti. Contive tudo dentro de mim até que houvesse um movimento qualquer de aceitação. Quando houve, cedi.

(Caio F.)

Acontece que, com ou sem cama, gosto profundamente de você.

(Caio F.)

Ela é intensa e tem mania de sentir por completo,
de amar por completo e de ser por completo.
Dentro dela tem um coração bobo,
que é sempre capaz de amar e de acreditar outra vez.

( Caio F.)

sexta-feira, 20 de agosto de 2010


Eu constantemente sinto saudade das coisas que perco, mas não as quero de volta. Já doeu uma vez.

(Caio F.)

quinta-feira, 19 de agosto de 2010


Tente. Sei lá, tem sempre um pôr-do-sol esperando para ser visto, uma árvore, um pássaro, um rio, uma nuvem. Pelo menos sorria, procure sentir amor. Imagine. Invente. Sonhe. Voe. Se a realidade te alimenta com merda, meu irmão, a mente pode te alimentar com flores. Eu não estou fazendo nada de errado, só estou tentando deixar as coisas um pouco mais bonitas.

( Caio F.)

Queria dizer pra vocês que eu enchi quatro sacos de coisas velhas e mortas e joguei no lixo. Queria dizer pra vocês todos que, pela primeira vez na vida, por pura preguiça de andar pra trás ou aceitar um amor de quem tem medo de esperar pelo amor, eu disse basta. Queria dizer que eu não acho mais que fulana passou do peso, que fulana passou da conta de imbecilidades e que fulano se esqueceu de ser real. Eu apenas queria dizer que eu tô bem em forma, sou bem bacana e, graças a Deus, tenho plena certeza do que vim fazer nesse planeta. Queria aproveitar para fazer um elogio a mim, sim, chega de me detonar. Queria te dizer, sua escrotinha que dorme comigo todas as noites, que nenhuma das vezes em que eu cheguei perto da janela e fiquei na ponta dos pés, eu estava sendo sincera. Queria te dizer que, apesar de você se sentir imensamente sozinha de vez em quando, eu sou milhares, e todas essas milhares te acham a melhor mulher do mundo. Queria bater palmas pra todas as vezes em que você sacrificou o que você mais amava em nome de seguir a diante com o teu fígado e todas as vezes em que você ficou pequenininha para que ficar grande fosse ainda maior. Obrigada por nunca ter fugido de mim, obrigada por ter me encontrado, obrigada por estar aqui. Confie que agora, de dentro de mim, conquistar o mundo vai ser ridículo. Ah, e tem mais: sua bunda até que é bonitinha, mas o resto é um arraso. Hoje eu acordei nervosa e irritada com a minha viagem, aí parei e pensei: chega de se boicotar minha filha, tá na hora de você ser muito feliz.

( Caio F.)

quarta-feira, 18 de agosto de 2010


Queria e quero — ainda. Voar junto com alguém, não sozinho.

( Caio F.)

Virava pra lá e pra cá na cama. Estava impaciente {...}
Até me sentei no escuro.
Pensei: Não era uma posição o que eu procurava.
Era você.


terça-feira, 17 de agosto de 2010


Quando a gente foi ver o pôr-do-sol na Praia, e a gente ficou abraçado,e a gente se achou brega demais, e a gente morreu de rir, eu senti um daqueles segundos de eternidade que tanto assustam o nosso coração acostumado com a fugacidade segura dos sentimentos superficiais.
Eu olhei para você com aquela sua sueter que te deixa com tanta cara de homem e me senti tão ao lado de um homem, que eu tive vontade de ser a melhor mulher do mundo. E eu tive vontade de fazer ginástica, ler, ouvir todas as músicas legais do mundo, cozinhar, arrumar seu quarto, escrever um livro, ser mãe. E aí eu só olhei pra bem longe, muito além daquele Sol, e todo o meu passado se pôs junto com ele. E eu senti a alma clarear enquanto o dia escurecia (...).

( Tati Bernardi)

domingo, 15 de agosto de 2010


Hoje pensei sério: Se me perguntassem o que mais desejo na vida, não saberia responder. Quero tudo.

( Caio F.)

Nunca, jamais diga o que sente. Por mais que doa, por mais que te faça feliz. Quando sentir algo muito forte, peça um drink.

( Caio F.)

quarta-feira, 11 de agosto de 2010




Chega a mim sem medo, toca meu ombro, olha nos meus olhos, como nas canções do rádio. Depois me diz: -Vamos embora para um lugar limpo. Deixe tudo como está. Feche as portas, não pague as contas e nem conte a ninguém. Nada mais importa. Agora você me tem, agora eu tenho você.

( Caio F.)

São sentimentos que semeamos pra depois brotar.

( Caio F.)

segunda-feira, 9 de agosto de 2010


(...) Posso te garantir que o verão solitário me deixou mais mulher, mais leve e mais bronzeada e que, depois de sofrer muito querendo uma pessoa perfeita e uma vida de cinema, eu só quero ser feliz de um jeito simples. Hoje o céu ficou bem nublado, mas depois abriu o maior sol. {...}

( Tati Bernardi)



(...) Os grandes amores são assim mesmo, eles nos dão o caminho da emoção, mas os sentimentos de verdade são apenas nossos, ninguém copia, ninguém leva, ninguém divide {...}

(Tati Bernardi)

domingo, 8 de agosto de 2010


Mas a vontade é te convidar pra sair por aí...
brincar de tobogã no arco-íris qualquer coisa assim:
você topa?

( Caio F.)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010


(...) Ontem por incrível que pareça todos os lugares que pisei eu te procurei. Teus rastros ficaram por lá. O balançar de teus cabelos e esse teu jeito meio atacado de ser. Fiquei feliz em poder sentir tua falta, - a falta mostra o quão necessitamos de algo/alguém. É assim o nosso ciclo. Eu te preciso. Perto, longe, tanto faz. Preciso saber que tu está bem, se respira, se comeu ou tomou banho - com o calor que está fazendo neste verão, tome pelo menos uns três ao dia, e pense em mim, estou com calor também ( ou melhor, nesse frioo que está fazendo huahs) . Me faz bem pensar nessas atividades corriqueiras, que supostamente você está fazendo. Ah, e eu estou te esperando, com meu vestido curto, óculos escuros grandes e meu coração pulsando forte, e te abraçar até sentir o mundo girar apenas para nós. É, eu gosto muito de ti.

( Caio F.)

p.s: Que sensação maravilhosa, essa que estou sentindo *--*

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Tomara que a gente não desista de ser quem é por nada nem ninguém deste mundo. Que a gente reconheça o poder do outro sem esquecer do nosso. Que as mentiras alheias não confundam as nossas verdades, mesmo que as mentiras e as verdades sejam impermanentes. Que friagem nenhuma seja capaz de encabular o nosso calor mais bonito. Que, mesmo quando estivermos doendo, não percamos de vista nem de sonho a ideia da alegria. Tomara que apesar dos apesares todos, a gente continue tendo valentia suficiente para não abrir mão de se sentir feliz.

( Caio F.)

terça-feira, 3 de agosto de 2010


Olha, eu estou te escrevendo só pra dizer que se você tivesse telefonado hoje eu ia dizer tanta, mas tanta coisa. Talvez mesmo conseguisse dizer tudo aquilo que escondo desde o começo, um pouco por timidez, por vergonha, por falta de oportunidade, mas principalmente porque todos me dizem que sou demais precipitado, que coloco em palavras todo o meu processo mental (processo mental: é exatamente assim que eles dizem, e eu acho engraçado) e que isso assusta as pessoas, e que é preciso disfarçar, jogar, esconder, mentir. Eu não queria que fosse assim. Eu queria que tudo fosse muito mais limpo e muito mais claro, mas eles não me deixam, você não me deixa.

( Caio F.)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010


Para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro- e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco.É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só lembrar disso no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data. Então dizer mentalmente ah!, escrever tanto de tanto de mil novecentos e tanto e ir em frente. Este é um ponto importante:ir, sobretudo, em frente. Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir,dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos. São incontroláveis os sonhos de agosto: se bons, deixam a vontade impossível de morar neles, se maus, fica a suspeita de sinistros angúrios , premonições. {...} Para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se avida não deu, ou ele partiu- sem o menor pudor, invente um. {...} Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros, juras, projetos, abraços no convés à lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados. Não lembrar dos que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir, nem vingar-se , e temperar tudo isso com chás, de preferência ingleses, cristais de gengibre, gotas de codeína, se a barra pesar, vinhos, conhaques-tudo isso ajuda a atravessar agosto. Controlar o excesso de informações para que as desgraças sociais ou pessoais não dêem a impressão de serem maiores do que são. {...} Mas para atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente não se deter de mais no tema. Mudar de assunto, digitar rápido o ponto final, sinto muito, perdoe o mau jeito, assim, veja, bruto e seco.

( Caio F.)

domingo, 1 de agosto de 2010


Eu gostaria de ir embora para uma cidade qualquer, bem longe daqui, onde ninguém me conhecesse, onde não me tratassem com consideração apenas por eu ser “o filho de fulano” ou “o neto de beltrano”. Onde eu pudesse experimentar por mim mesmo as minhas asas para descobrir, enfim, se elas são realmente fortes como imagino. E se não forem, mesmo que quebrassem ao primeiro vôo, mesmo que após um certo tempo eu voltasse derrotado, ferido, humilhado - mesmo assim restaria o consolo de ter descoberto que valho o que sou.

( Caio F.)