sexta-feira, 15 de outubro de 2010


Tenho vontade de viver só, ser auto-suficiente, dispensar o auxílio de qualquer pessoa — e também vontade de conhecer todo mundo, ajudar, ser ajudado. Dividir.

(Caio F.)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010


Venha. Quero dividir meus erros, loucuras, beijos, chocolates... Apague minhas interrogações. Por que estamos tão perto e tão longe? Quero acabar com as leis da física, dois corpos ocuparem o mesmo lugar. Não nego, tenho um grande medo de ser sozinha. Não sou pedaço, mas não me basto.

(Caio F.)

sábado, 2 de outubro de 2010


Até um certo tempo eu culpava você por não me deixar viver em paz, não conseguir ter relações e tudo ao que eu não conseguia. Mas você já não existia, pra que te culpar de algo que não te envolve mais? Então o certo era passar a me condenar, dizendo que eram meus problemas, que era minha aparência, que era meu jeito, minhas mentiras, minhas verdades. E que tudo isso dava errado porque eu não deixava. Mas porque se julgar tanto se ao menos eu me conhecia? Hoje percebo que não, nunca foi nada disso. O erro é que não era você, você não podia mais interferir em nada se já não mais existia, e muito menos eu que só por mim desistia mais e mais, eram eles. Eles não deixavam, eles criticavam, eles opinavam e dilaceravam minha vida. Então me desculpe mais algumas vezes. Eu ando tomando o rumo certo agora, me deseje sorte.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010


Você me provoca sem esperar a picada. Sem saber que ainda não inventaram antídoto pro meu tipo de veneno.

( Caio F.)

domingo, 26 de setembro de 2010


Chamas por mim, ouço tua voz
Que queres de mim, ó meu Senhor?
Estou aqui, ao teu dispor
Servo fiel à tua vontade eu serei
Teus planos vão além do que eu possa entender
Quem sou eu pra merecer tantas graças assim?
Meu sim eu quero te dizer, querer o teu querer
E assim viver
Pois eu já não posso mais
Calar a voz que grita em mim

Fiat
Faça-se, faz em mim
Quero que faças sim
Tua vontade, sim
Faz em mim
Quero que faças sim


Simples mulher
Pura e fiel
Como tua mãe eu quero ser
Silenciar diante de ti
E guardar tudo dentro do meu coração
Não quero que a embriaguez dos vinhos que bebi
Me impeça de provar o sabor do teu vinho novo
Sede nunca mais terei, contigo posso sempre renascer
Eu sei, já não posso mais.
Calar a voz que grita em mim.

(Fiat- Banda Dom)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010


Estranho, mas é sempre como se houvesse por trás do livre-arbítrio um roteiro fixo, pré-determinado, que não pode ser violado.

(Caio F.)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010


Tenho trabalhado tanto, mas penso sempre em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assentada aos poucos e com mais força enquanto a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos. Tão transparentes que até parecem de vidro, vidro tão fino que, quando penso mais forte, parece que vai ficar assim clack! e quebrar em cacos, o pensamento que penso de você. Se não dormisse cedo nem estivesse quase sempre cansado, acho que esses pensamentos quase doeriam e fariam clack! de madrugada e eu me veria catando cacos de vidro entre os lençóis. Brilham, na palma da minha mão. Num deles, tem uma borboleta de asa rasgada. Noutro, um barco confundido com a linha do horizonte, onde também tem uma ilha. Não, não: acho que a ilha mora num caquinho só dela. Noutro, um punhal de jade. Coisas assim, algumas ferem, mesmo essas que são bonitas. Parecem filme, livro, quadro. Não doem porque não ameaçam. Nada que eu penso de você ameaça. Durmo cedo, nunca quebra. Daí penso coisas bobas quando, sentado na janela do ônibus, depois de trabalhar o dia inteiro, encosto a cabeça na vidraça, deixo a paisagem correr, e penso demais em você. Quando não encontro lugar para sentar, o que é mais freqüente, e me deixava irritado, descobri um jeito engraçado de, mesmo assim, continuar pensando em você. Me seguro naquela barra de ferro, olho através das janelas que, nessa posição, só deixam ver metade do corpo das pessoas pelas calçadas, e procuro nos pés daquelas aqueles que poderiam ser os seus. (A teus pés, lembro.). E fico tão embalado que chego a me curvar, certo que são mesmo os seus pés parados em alguma parada, alguma esquina. Nunca vejo você - seria, seriam? Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando penso em você. Assim: de repente ao dobrar uma esquina dou de cara com você que me prega um susto de mentirinha como aqueles que as crianças pregam umas nas outras. Finjo que me assusto, você me abraça e vamos tomar um sorvete, suco de abacaxi com hortelã ou comer salada de frutas em qualquer lugar. Assim: estou pensando em você e o telefone toca e corta o meu pensamento e do outro lado do fio você me diz: estou pensando tanto em você. Digo eu também, mas não sei o que falamos em seguida porque ficamos meio encabulados, a gente tem muito pudor de parecer ridículos melosos piegas bregas românticos pueris banais. Mas no que eu penso, penso também que somos meio tudo isso, não tem jeito, é tudo que vamos dizendo, quando falamos no meu pensamento, é frágil como a voz de Olívia Byington cantando Villa-Lobos, mais perto de Mozart que de Wagner, mais Chagal que Van Gogh, mais Jarmush que Win Wenders, mais Cecília Meireles que Nelson Rodrigues.
Tenho trabalhado tanto, por isso mesmo talvez ando pensando assim em você. Brotam espaços azuis quando penso. No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tolo, meio melodramático, e penso então tule nuvem castelo seda perfume brisa turquesa vime. E deito a cabeça no seu colo ou você deita a cabeça no meu, tanto faz, e ficamos tanto tempo assim que a terra treme e vulcões explodem e pestes se alastram e nós nem percebemos, no umbigo do universo. Você toca minha mão, eu toco na sua. Demora tanto que só depois de passarem três mil dias consigo olhar bem dentro dos seus olhos e é então feito mergulhar numas águas verdes tão cristalinas que têm algas na superfície ressaltadas contra a areia branca do fundo. Aqualouco, encontro pérolas. Sei que é meio idiota, mas gosto de pensar desse jeito, e se estou em pé no ônibus solto um pouco as mãos daquela barra de ferro para meu corpo balançar como se estivesse a bordo de um navio ou de você. Fecho os olhos, faz tanto bem, você não sabe. Suspiro tanto quando penso em você, chorar só choro às vezes, e é tão freqüente. Caminho mais devagar, certo que na próxima esquina, quem sabe. Não tenho tido muito tempo ultimamente, mas penso tanto em você que na hora de dormir vezemquando até sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito repito em voz baixa te amo tanto dorme com os anjos. Mas depois sou eu quem dorme e sonha, sonho com os anjos. Nuvens, espaços azuis, pérolas no fundo do mar. Clack! como se fosse verdade, um beijo.

(Caio F.)

terça-feira, 21 de setembro de 2010


(...)E você se acostuma tanto a ver todo mundo guardando o seu pra si, que começa a fazer igual. Mas de vez em quando aparece uma ovelhinha, sabe, uma ovelhinha que não consegue dissimular que dói, que não consegue entender por que ela tem de ser má igual a todo mundo. E essa aí, esse aí que seja, não tem costelas que protejam o coração, então ele cobre com lã e cota de malha, uma defesa externa que não permite ver o brilho do próprio peito. E pra esses, meu amigo, o amor é um labirinto: milhares de pistas e nenhum céu. Eles não conseguem ler, nem conseguem confiar, e plantam armadilhas. E pra amar gente assim, brother, precisa voar por sobre tudo. Sobre tudo mesmo.

(Caio F.)

domingo, 19 de setembro de 2010


Penso sempre que um dia a gente vai se encontrar de novo, e que então tudo vai ser mais claro, que não vai mais haver medo nem coisas falsas. Há uma porção de coisas minhas que você não sabe, e que precisaria saber para compreender todas as vezes que fugi de você e voltei e tornei a fugir. São coisas difíceis de serem contadas, mais difíceis talvez de serem compreendidas — se um dia a gente se encontrar de novo, em amor, eu direi delas, caso contrário não será preciso. Essas coisas não pedem resposta nem ressonância alguma em você: eu só queria que você soubesse do muito amor e ternura que eu tinha — e tenho — pra você.

(Caio F.)

Ah, mas tudo bem. Em seguida todo mundo se acostuma. As pessoas esquecem umas das outra com tanta facilidade. Como é mesmo que minha mãe dizia? Quem não é visto não é lembrado. Longe dos olhos, longe do coração. Pois é.

(Caio F.)

sexta-feira, 17 de setembro de 2010


Eu, um homem velho, abrutecido pelo sol e maresia, na nau decadente da minha juventude longínqua, sigo. Tanto mar, tanto mar. E eu, orando aos céus por mais vento, usando a luneta embaçada em que a percepção varre ao longe a imensidão. Tanto mar, tanto mar. Então, conto os meus dias assim, rasgando à lamina, qualquer madeira fria do navio. E a lente passeia tremula nas laterais da polpa, já a vários dias. Tanto mar, tanto mar. Que os olhos são poças de sangue e a boca se resseca nos vinhos amargos da adega, estragados por um mofo puritano, e desconfio, religioso, e sinto que toda cartografia inútil, estudada por meus especialistas se evapora em meio a medo e renuncia. A todo cruel momento ouço os gritos da proa. Sentimento ao mar! Sentimento ao mar! Numa prece suicida onde morrem os desejos. E então, as mãos calejadas usam a inocente bússola que aponta uma esperança. Tanto mar, tanto... E de repente um clarão. A leste de onde tudo se perde, está ela. Sob os sonhos mas enternecedores e cálidos. A terra que despeja suave, uma alva areia de pele ao alcance dos olhos. A apenas um dia de sorte? Talvez dois! Pois as velas se esqueceram de rugir em movimento. Só meu coração que se prende aos remos e se debate ansioso. Lá, ao longe, seu fluido cabelo contorna a praia em pequenas ondas. Peço aos homens mais pressa. Todos rangem suas ferramentas contra a inerte solidão, como guerreiros numa ultima ceia de vida, famintos por mais tempo, por mais tempo. Dedos se rasgam na corda. Pernas se movimentam no convés. Todos estão a postos. Vejo homens loucos afugentando os pensamentos ruins com o perfume misterioso que emana da ilha, quando a coragem grita do alto do mastro: Caravelas! Caravelas! Velozes espectros cortam as nuvens ao nosso lado. Vejo o negro reluzente dos cachões acesos. Estamos num cerco. A meio dia do paraíso. Surgem desertores. A razão abandona o barco com o bote de resgate. A paixão corre de um lado para o outro, indicando os Xs em mapas especiais de um novo caminho, um lugar mais ameno e tranqüilo longe de todo perigo. Não pretendo acreditar. Sou o descobridor. Não posso desistir para procurar terras menos cobiçadas. A astucia e coragem vislumbram no meu olhar uma lasca de revolta. Empurram canhões para os lados e se põem a disparar incansáveis. Ouço o zumbido das bombas inimigas que passam a esmo devido a arrogância de seus jovens comandantes. Não tenho a pompa das embarcações que me cercam, meu casco esta gasto, mas me vale a experiência de tantas viagens passadas. Winchesters disparam sagazes. Minha tripulação diminui a cada estoucada. Sentimento ao mar! Sentimento ao mar! Gritam os poucos que restam. O que achei ser suor em minha têmpora, tem o gosto vermelho do ferrugem. O curso! Ordeno antes de cair de uma vez. O amor, um sujeito baixinho, agarra-se ferozmente ao leme. O fogo hostil diminui. Meus heróis avariam as embarcações inimigas. Minha vista escurece e procuro na mente alguma prece antiga. Nada. Minha mente fracassa. Ouço gaivotas na praia. Não consigo enxergar. Só um lamento surge em meus lábios feridos: Liz! Liz! Amanha acordarei em terra firme. Desbravarei as curvas montanhosas de sua paisagem. Beberei os licores mais doces de sua boca carnuda. Banhar-me-ei no céu dos seus sorrisos serenos. É o mínimo que se espera por tanto mar. Antes de apagar ainda consigo perceber o amor ao meu lado velando e cuidando dos sobreviventes. Liz! Liz! Liz! No amanha descobrirei o sentido dessa palavra.

Leometáfora

Dedicado à mim ;)

Não sei se a gente pode continuar amigo. Não sei se em algum momento cheguei a ver você completamente como Outra pessoa, ou, o tempo todo, como Uma Possibilidade de Resolver Minha Carência. Estou tentando ser honesto e limpo. Uma possibilidade que eu precisava devorar ou destruir. Porque até hoje não consegui conquistar essa disciplina, essa macrobiótica dos sentimentos, essa frugalidade das emoções. Fico tomado de paixão. Há tempos não ficava.

(Caio F.)

Uma pessoa, quando tá longe, vive coisas que não te comunica, e tu, aqui, vive coisas que não a comunica. Então, vocês vão se distanciando e, quando vocês se encontrarem, vocês vão se falar assim: oi, tudo bom e tal, como é que vão as coisas? E aí ele vai te falar, por cima, de tudo que ele viveu, e, não sei, vai ser uma proximidade distante. Não adianta, no momento que as pessoas se afastam, elas estão irremediavelmente perdidas uma da outra.

(Caio F.)

Chega um ponto que a gente cansa, que não quer mais saber de aventuras ou de procuras, entende?

(Caio F.)

quinta-feira, 16 de setembro de 2010


Eu quero mesmo é alguém me faça mudar completamente de opinião. Que faça meu corpo querer companhia nos momentos em que minha mente insiste pela solidão.

(Caio F.)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010


Você acha que o nosso amor pode fazer milagres? - Eu acho que o nosso amor pode fazer tudo aquilo que quisermos.

(Caio F.)

segunda-feira, 13 de setembro de 2010


A maturidade me permite olhar com menos ilusões, aceitar com menos sofrimento, entender com mais tranquilidade e querer com mais doçura{...}

(Caio F.)

Sempre fui só sua. Sempre te quis só meu. E você, cego de orgulho bobo, surdo de estupidez, nunca notou. Nunca notou que mulheres como eu não são fáceis de se ter; são como flores difíceis de cultivar. Flores que você precisa sempre cuidar, mas que homens que gostam de praticidade não conseguem. Homens que gostam das coisas simples. Eu não sou simples, nunca fui. Mas sempre quis ser sua, concertar meus erros,viver novos momentos e você não. Você, meu homem, tinha que cuidar. E nessa de cuidar, tenho que cuidar de mim. De mim, do meu coração e dessa minha mania de amar demais, de querer demais, de esperar demais. Dessa minha mania tão boba de amar errado.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010


Se você me amar e eu te amar, não precisamos da aprovação de ninguém para ficar juntos, como também não precisamos assinar nenhum papel ou aceitar qualquer espécie de jogo. Não acredito que maus fluidos, por mais fortes que sejam, consigam destruir um amor bonito, limpo.

( Caio F.)

Minha sensação depois de cada beijo que nós damos é a de que milhões desses aindao virão, e mesmo parecendo impossivel um ser melhor que outro, você sempre me surpreende com um doce diferente na boca, que parece fazer uma ligação direta pro meu coração.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010


Dançar de rosto colado, pegar na mão à meia-luz, desenhar com a ponta dos dedos cada um dos teus traços, ficar de olho molhado só de te ver, de repente e, se for preciso, também virar a mesa, dar tapa na cara, escândalo na esquina, encher a cara de gim, te expulsar de casa e te pedir pra voltar.

(Caio F.)

E lá vou eu, nas minhas tentativas, às vezes meio cegas, às vezes meio burras, tentar acertar os passos. Sem me preocupar se a próxima etapa será o tombo ou o voo{...}

(Caio F.)

Certo, muitas ilusões dançaram - mas eu me recuso a descrer absolutamente de tudo, eu faço força para manter algumas esperanças acesas, como velas. Também não quero dramatizar e fazer dos problemas reais monstros insolúveis, becos-sem-saída. Nada é muito terrível. Só viver, não é? A barra mesmo é ter que estar vivo e ter que desdobrar, batalhar um jeito qualquer de ficar numa boa. O meu tem sido olhar pra dentro, devagar, ter muito cuidado com cada palavra, com cada movimento, com cada coisa que me ligue ao de fora. Até que os dois ritmos naturalmente se encaixem outra vez e passem a fluir.

(Caio F.)

terça-feira, 31 de agosto de 2010


Quando setembro vier,
De tão azul, o céu parecerá pintado. E nós embarcaremos logo rumo à ilhas Cíclades.
Houvesse cortinas no quarto, elas tremulariam com a brisa entrando pelas janelas abertas, de manhã bem cedo. Acordei sem a menor dificuldade, espiei a rua em silêncio, muito limpa, as azaléias vermelhas e brancas todas floridas. Parecia que alguém tinha recém pintado o céu, de tão azul. Respirei fundo. O ar puro da cidade lavava meus pulmões por dentro. Setembro estava chegando enfim. Na sala, encontrei a mesa posta para o café — leite e pão frescos, mamão, suco de laranja, o jornal ao lado. Comi bem devagarinho, lendo as notícias do dia. Tudo estava em paz, no Nordeste, no Oriente Médio, nas Américas Central, do Norte e do Sul. Na página policial, um debate sobre a espantosa diminuição da criminalidade. Comi, li, fumei tão devagarinho que mal percebi que estava atrasado para o trabalho. Achei prudente ligar, avisando que iria demorar um pouco.
A linha não estava ocupada. Quando o chefe atendeu, comecei a contar uma história meio longa demais, confusa demais. Só quando ele repetiu calma, calma, pela terceira vez, foi que parei de falar. Então ele disse que tinha acabado de sair de uma reunião com os patrões: tinham decidido que meu trabalho era tão bom, mas tão bom que, a partir daquele dia, eu nem precisava mais ir lá. Bastava passar todo fim de mês, para receber o salário que havia sido triplicado. Desliguei um pouco tonto. Então, podia voltar a meu livro? Discreta e silenciosa como sempre, a empregada tinha tirado a mesa. No centro dela, agora, sobre uma toalha de renda branca, havia rosas cor de chá, aquelas que Oxum mais gosta. No escritório, abri as gavetas e apanhei a pilha de originais de três anos, manchados de café, de vinho, de tinta e umas gotas escuras que pareciam sangue. Reli rapidamente. E a chave que faltava, há tanto tempo, finalmente pintou. Coloquei papel na máquina, comecei a escrever iluminado, possuído a um só tempo por Kafka, Fitzgerald, Clarice e Fante. Não, Pedro não tinha ido embora, nem Dulce partido, nem Eliana enlouquecido. As terras de Calmaritá realmente existiam: para chegar lá, bastava tomar a estrada e seguir em frente. Escrevi horas. Sem sentir, cheio de prazer. Quando pensava em parar, o telefone tocou. Então uma voz que eu não ouvia há muito tempo, tanto tempo que quase não a reconheci (mas como poderia esquecê-la?), uma voz amorosa falou meu nome, uma voz quente repetiu que sentia uma saudade enorme, uma falta insuportável, e que queria voltar, pediu, para irmos às ilhas gregas como tínhamos combinado naquela noite. Se podia voltar, insistiu, para sermos felizes juntos. Eu disse que sim, claro que sim, muitas vezes que sim, e aquela voz repetiu e repetia que me queria desta vez ainda mais, de um jeito melhor e para sempre agora. Os passaportes estavam prontos, nos encontraríamos no aeroporto: São Paulo/Roma/Atenas, depois Poros, Tinos, Delos, Patmos, Cíclades. Leve seu livro, disse. Não esqueça suas partituras, falei. Olhei em volta, a empregada tinha colocado para tocar A sagração da primavera, minha mala estava feita. Peguei os originais, a gabardine, o chapéu e a mala. Então desci para a limusine que me esperava e embarquei rumo a.
PS — Andaram falando que minhas crônicas estavam tristes demais. Aí escrevi esta, pra variar um pouco. Pois como já dizia Cecília/Mia Farrow em A cor púrpura do Cairo: “Encontrei o amor. Ele não é real, mas que se há de fazer? Agente não pode ter tudo na vida...” Fred e Ginger dançam vertiginosamente. Começo a sorrir, quase imperceptível. Axé. E The End.

O Estado de S. Paulo, 27/8/1986 - In Pequenas Epifanias

(Caio F.)

segunda-feira, 30 de agosto de 2010


Minha lâmpada de cabeceira está estragada. Não sei o que é, não entendo dessas coisas. Ela acende e, sem a gente esperar, apaga. Depois acende de novo, para em seguida tornar a apagar. Me sinto igual a ela: também só acendo de vez em quando, sem ninguém esperar, sem motivo aparente. Para a lâmpada pode-se chamar um eletricista. Ele dará um jeito, mexerá nos fios e em breve ela voltará a ser normal, previsível.
Mas e eu?
Quem desvendará meu interior para consertar meus defeitos?

(Caio F.)

Como um bebê ou um cristal: tome-o nas mãos com muito cuidado. Ele pode quebrar, o momento presente. Escolha um fundo musical adequado - quem sabe, Mozart, se quiser uma ilusão de dignidade. Melhor evitar o rock, o samba-enredo, a rumba ou qualquer outro ritmo agitado: ele pode quebrar, o momento presente. Como um bebê, então, a quem se troca fraldas, depois de tomá-lo nas mãos, desembrulhe-o com muito, com muito cuidado também. Olhe devagar para ele, parado no canto do quarto ou esquecido sobre a mesa, entre legumes, ou misturado às folhas abertas de algum jornal. Contemple o momento presente como um parente, um amigo antigo, tão familiar que não há risco algum nessa presença quieta, ali no canto do quarto. Como uma laranja, redonda, dourada - mas sem fome, contemple o momento presente. Como a cinza de um cigarro que o gesto demorou demais, caída entre as folhas de um jornal aberto em qualquer página, contemple o momento presente. E deixe o vento soprar sobre ele.

(Caio F.)

quinta-feira, 26 de agosto de 2010


- Quando a noite chegar cedo e a neve cobrir as ruas, ficarei o dia inteiro na cama pensando em dormir com você.
- Quando estiver muito quente, me dará uma moleza de balançar devagarinho na rede pensando em dormir com você.
- Vou te escrever carta e não te mandar.
- Vou tentar recompor teu rosto sem conseguir.
- Vou ver Júpiter e me lembrar de você.
- Vou ver Saturno e me lembrar de você.
- Daqui a vinte anos voltarão a se encontrar.
- O tempo não existe.
- O tempo existe, sim, e devora.
- Vou procurar teu cheiro no corpo de outra mulher. Sem encontrar, porque terei esquecido. Alfazema?
- Alecrim. Quando eu olhar a noite enorme do Equador, pensarei se tudo isso foi um encontro ou uma despedida.
- E que uma palavra ou um gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros.

(Caio F.)

quarta-feira, 25 de agosto de 2010


Às vezes penso que tornam de propósito as coisas mais duras do que realmente são, só pra ver se eu reajo, se eu enfrento.

(Caio F.)

terça-feira, 24 de agosto de 2010


{...} Eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende? {...}Se eu não te disser agora talvez não diga nunca mais, porque tanto eu como você sentiremos uma falta enorme de todas essas coisas, e se elas não chegarem á ser ditas nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos com tudo que existimos, por que elas não foram existidas completamente, entende, porque as vivemos apenas naquela dimensão em que é permitido viver, não, não é isso que eu quero dizer, não existe uma dimensão permitida e uma outra proibida, indevassável, não me entenda mal, mas é que a gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver, no mais fundo, eu quero dizer, é isso mesmo, você está acompanhando o meu raciocínio?
Existe coisas que a gente ainda não pensou, que a gente talvez nunca pense, eu, por exemplo, nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer além de tudo o que já foi dito, ou melhor, pensei sim, não, pensar propriamente não, mas eu sabia, que havia uma outra coisa atrás e além de nossas mãos dadas{...}
A nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, de não sentir medo desse mais fundo{...}
Eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e, se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas {...}
Eu preciso de muito silêncio e concentração para dizer todas as coisas que eu tinha pra te dizer, olha, antes de você ir embora eu quero te dizer que.

(Caio F.)

O cheiro do teu corpo persiste no meu durante dias. Não tomo banho. Guardo, preservo, cheiro o cheiro do teu cheiro grudado no meu. E basta fechar os olhos para naufragar outra vez e cada vez mais fundo na tua boca. Abismos marinhos, sargaços. Minhas mãos escorrem pelo teu peito. Gramados batidos de sol, poços claros. Alguma coisa então pára, todas as coisas param. Os automóveis nas ruas, os relógios nas paredes, as pessoas nas casas, as estrelas que não conseguimos ver aqui do fundo da cidade escura. Olho no poço do teu olho escuro, meia-noite em ponto. Quero fazer um feitiço para que nada mais volte a andar. Quero ficar assim, no parado. Sei com medo que o que trouxe você aqui foi esse meu jeito de ir vivendo como quem pula poças de lama, sem cair nelas, mas sei que agora esse jeito se despedaça. Torre fulminante, o inabalável vacila quando começa a brotar de mim isso que não esta completo sem o outro. Você assopra na minha testa. Sou só poeira, me espalho em grãos invisíveis pelos quatro cantos do quarto. Fico noite, fico dia. Fico farpa, sede, garra, prego. Fico tosco e você se assusta com a minha boca faminta voraz desdentada de moleque mendigo pedindo esmola neste cruzamento onde viemos dar.

(Caio F.)

segunda-feira, 23 de agosto de 2010


Meditarias: as pessoas falam coisas, e por trás do que falam há o que sentem, e por trás do que sentem há o que são e nem sempre se mostra. Há os níveis não formulados, camadas imperceptíveis, fantasias que nem sempre controlamos, expectativas que quase nunca se cumprem e sobretudo, como dizias, emoções. Que nem se mostram.

(Caio F.)

Ele me desperta sentimentos i-na-cre-di-ta-vel-men-te ternos.

(Caio F.)

domingo, 22 de agosto de 2010




Ela não suportou olhar tanto tempo. Virou de costas, debruçou-se na janela, feito filme: Doris Day, casta porém ousada. Então ele veio por trás: Cary Grant, grandalhão porém mansinho. Tocou-a devagar no ombro nu moreno dourado sob o vestido decotado, e disse:

- Sabe, eu pensei tanto. Eu acho que.
Ela se voltou de repente. E disse:
- Eu também. Eu acho que.

Ficaram se olhando. Completamente dourados, olhos úmidos. Seria a brisa? Verão pleno solto lá fora.

Bem perto dela, ele perguntou:
- O quê?
Ela disse:
- Sim.
Puxou-o pela cintura, ainda mais perto.
Ele disse:
- Você parece mel.
Ela disse:
- E você, um girassol.

Estenderam as mãos um para o outro. No gesto exato de quem vai colher um fruto completamente maduro.

(Caio F.)

Daí, penso também outra coisa de gente grande: não adianta muito você se
enfeitar todo pra uma pessoa gostar mais de você. Porque, se ela
gostar, vai gostar de qualquer jeito, do jeito que você é mesmo, sem
brilhos falsos.

(Caio F.)

(...) Pego o metrô, vou conferir. Continua lá, a placa na fachada da casa número 1 do Quai de Bourbon, no mesmo lugar. Quando um dia você vier a Paris, procure. E se não vier, para seu próprio bem guarde este recado: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo.

(Caio F.)

sábado, 21 de agosto de 2010


Eu não procurei, não insisti. Contive tudo dentro de mim até que houvesse um movimento qualquer de aceitação. Quando houve, cedi.

(Caio F.)

Acontece que, com ou sem cama, gosto profundamente de você.

(Caio F.)

Ela é intensa e tem mania de sentir por completo,
de amar por completo e de ser por completo.
Dentro dela tem um coração bobo,
que é sempre capaz de amar e de acreditar outra vez.

( Caio F.)

sexta-feira, 20 de agosto de 2010


Eu constantemente sinto saudade das coisas que perco, mas não as quero de volta. Já doeu uma vez.

(Caio F.)

quinta-feira, 19 de agosto de 2010


Tente. Sei lá, tem sempre um pôr-do-sol esperando para ser visto, uma árvore, um pássaro, um rio, uma nuvem. Pelo menos sorria, procure sentir amor. Imagine. Invente. Sonhe. Voe. Se a realidade te alimenta com merda, meu irmão, a mente pode te alimentar com flores. Eu não estou fazendo nada de errado, só estou tentando deixar as coisas um pouco mais bonitas.

( Caio F.)

Queria dizer pra vocês que eu enchi quatro sacos de coisas velhas e mortas e joguei no lixo. Queria dizer pra vocês todos que, pela primeira vez na vida, por pura preguiça de andar pra trás ou aceitar um amor de quem tem medo de esperar pelo amor, eu disse basta. Queria dizer que eu não acho mais que fulana passou do peso, que fulana passou da conta de imbecilidades e que fulano se esqueceu de ser real. Eu apenas queria dizer que eu tô bem em forma, sou bem bacana e, graças a Deus, tenho plena certeza do que vim fazer nesse planeta. Queria aproveitar para fazer um elogio a mim, sim, chega de me detonar. Queria te dizer, sua escrotinha que dorme comigo todas as noites, que nenhuma das vezes em que eu cheguei perto da janela e fiquei na ponta dos pés, eu estava sendo sincera. Queria te dizer que, apesar de você se sentir imensamente sozinha de vez em quando, eu sou milhares, e todas essas milhares te acham a melhor mulher do mundo. Queria bater palmas pra todas as vezes em que você sacrificou o que você mais amava em nome de seguir a diante com o teu fígado e todas as vezes em que você ficou pequenininha para que ficar grande fosse ainda maior. Obrigada por nunca ter fugido de mim, obrigada por ter me encontrado, obrigada por estar aqui. Confie que agora, de dentro de mim, conquistar o mundo vai ser ridículo. Ah, e tem mais: sua bunda até que é bonitinha, mas o resto é um arraso. Hoje eu acordei nervosa e irritada com a minha viagem, aí parei e pensei: chega de se boicotar minha filha, tá na hora de você ser muito feliz.

( Caio F.)

quarta-feira, 18 de agosto de 2010


Queria e quero — ainda. Voar junto com alguém, não sozinho.

( Caio F.)

Virava pra lá e pra cá na cama. Estava impaciente {...}
Até me sentei no escuro.
Pensei: Não era uma posição o que eu procurava.
Era você.


terça-feira, 17 de agosto de 2010


Quando a gente foi ver o pôr-do-sol na Praia, e a gente ficou abraçado,e a gente se achou brega demais, e a gente morreu de rir, eu senti um daqueles segundos de eternidade que tanto assustam o nosso coração acostumado com a fugacidade segura dos sentimentos superficiais.
Eu olhei para você com aquela sua sueter que te deixa com tanta cara de homem e me senti tão ao lado de um homem, que eu tive vontade de ser a melhor mulher do mundo. E eu tive vontade de fazer ginástica, ler, ouvir todas as músicas legais do mundo, cozinhar, arrumar seu quarto, escrever um livro, ser mãe. E aí eu só olhei pra bem longe, muito além daquele Sol, e todo o meu passado se pôs junto com ele. E eu senti a alma clarear enquanto o dia escurecia (...).

( Tati Bernardi)

domingo, 15 de agosto de 2010


Hoje pensei sério: Se me perguntassem o que mais desejo na vida, não saberia responder. Quero tudo.

( Caio F.)

Nunca, jamais diga o que sente. Por mais que doa, por mais que te faça feliz. Quando sentir algo muito forte, peça um drink.

( Caio F.)

quarta-feira, 11 de agosto de 2010




Chega a mim sem medo, toca meu ombro, olha nos meus olhos, como nas canções do rádio. Depois me diz: -Vamos embora para um lugar limpo. Deixe tudo como está. Feche as portas, não pague as contas e nem conte a ninguém. Nada mais importa. Agora você me tem, agora eu tenho você.

( Caio F.)

São sentimentos que semeamos pra depois brotar.

( Caio F.)

segunda-feira, 9 de agosto de 2010


(...) Posso te garantir que o verão solitário me deixou mais mulher, mais leve e mais bronzeada e que, depois de sofrer muito querendo uma pessoa perfeita e uma vida de cinema, eu só quero ser feliz de um jeito simples. Hoje o céu ficou bem nublado, mas depois abriu o maior sol. {...}

( Tati Bernardi)



(...) Os grandes amores são assim mesmo, eles nos dão o caminho da emoção, mas os sentimentos de verdade são apenas nossos, ninguém copia, ninguém leva, ninguém divide {...}

(Tati Bernardi)