
Eu, um homem velho, abrutecido pelo sol e maresia, na nau decadente da minha juventude longínqua, sigo. Tanto mar, tanto mar. E eu, orando aos céus por mais vento, usando a luneta embaçada em que a percepção varre ao longe a imensidão. Tanto mar, tanto mar. Então, conto os meus dias assim, rasgando à lamina, qualquer madeira fria do navio. E a lente passeia tremula nas laterais da polpa, já a vários dias. Tanto mar, tanto mar. Que os olhos são poças de sangue e a boca se resseca nos vinhos amargos da adega, estragados por um mofo puritano, e desconfio, religioso, e sinto que toda cartografia inútil, estudada por meus especialistas se evapora em meio a medo e renuncia. A todo cruel momento ouço os gritos da proa. Sentimento ao mar! Sentimento ao mar! Numa prece suicida onde morrem os desejos. E então, as mãos calejadas usam a inocente bússola que aponta uma esperança. Tanto mar, tanto... E de repente um clarão. A leste de onde tudo se perde, está ela. Sob os sonhos mas enternecedores e cálidos. A terra que despeja suave, uma alva areia de pele ao alcance dos olhos. A apenas um dia de sorte? Talvez dois! Pois as velas se esqueceram de rugir em movimento. Só meu coração que se prende aos remos e se debate ansioso. Lá, ao longe, seu fluido cabelo contorna a praia em pequenas ondas. Peço aos homens mais pressa. Todos rangem suas ferramentas contra a inerte solidão, como guerreiros numa ultima ceia de vida, famintos por mais tempo, por mais tempo. Dedos se rasgam na corda. Pernas se movimentam no convés. Todos estão a postos. Vejo homens loucos afugentando os pensamentos ruins com o perfume misterioso que emana da ilha, quando a coragem grita do alto do mastro: Caravelas! Caravelas! Velozes espectros cortam as nuvens ao nosso lado. Vejo o negro reluzente dos cachões acesos. Estamos num cerco. A meio dia do paraíso. Surgem desertores. A razão abandona o barco com o bote de resgate. A paixão corre de um lado para o outro, indicando os Xs em mapas especiais de um novo caminho, um lugar mais ameno e tranqüilo longe de todo perigo. Não pretendo acreditar. Sou o descobridor. Não posso desistir para procurar terras menos cobiçadas. A astucia e coragem vislumbram no meu olhar uma lasca de revolta. Empurram canhões para os lados e se põem a disparar incansáveis. Ouço o zumbido das bombas inimigas que passam a esmo devido a arrogância de seus jovens comandantes. Não tenho a pompa das embarcações que me cercam, meu casco esta gasto, mas me vale a experiência de tantas viagens passadas. Winchesters disparam sagazes. Minha tripulação diminui a cada estoucada. Sentimento ao mar! Sentimento ao mar! Gritam os poucos que restam. O que achei ser suor em minha têmpora, tem o gosto vermelho do ferrugem. O curso! Ordeno antes de cair de uma vez. O amor, um sujeito baixinho, agarra-se ferozmente ao leme. O fogo hostil diminui. Meus heróis avariam as embarcações inimigas. Minha vista escurece e procuro na mente alguma prece antiga. Nada. Minha mente fracassa. Ouço gaivotas na praia. Não consigo enxergar. Só um lamento surge em meus lábios feridos: Liz! Liz! Amanha acordarei em terra firme. Desbravarei as curvas montanhosas de sua paisagem. Beberei os licores mais doces de sua boca carnuda. Banhar-me-ei no céu dos seus sorrisos serenos. É o mínimo que se espera por tanto mar. Antes de apagar ainda consigo perceber o amor ao meu lado velando e cuidando dos sobreviventes. Liz! Liz! Liz! No amanha descobrirei o sentido dessa palavra.
Leometáfora
Dedicado à mim ;)
Leometáfora
Dedicado à mim ;)
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